PARCELAMENTOS DO SOLO E CONDOMÍNIOS DE LOTES (URBANOS E RURAIS) NO BRASIL
Antecedentes históricos e legislação atual
O parcelamento do solo no Brasil foi regulado a partir do Decreto-lei número 58, de 10 de dezembro de 1937, o qual, posteriormente, foi revogado parcialmente pela Lei n. 6.766/79.
Com o parcelamento de uma gleba, subdivide-se um terreno [a área da “matrícula-mãe”] em lotes destinados à edificação, devendo haver estipulação de áreas verdes, bem como, a implantação de equipamentos comunitários públicos como praças, parques, play ground, etc., todos transmutados em bens públicos de uso comum do povo a partir do registro do Parcelamento do Solo.
Dos Desmembramentos
Quando não há necessidade de abertura de vias públicas nem seus prolongamentos, trata-se da figura do Desmembramento.
Nos procedimentos de Desmembramento, o Registrador, sempre com o propósito
de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da Lei n. 6.766/ 79, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação do Juiz com competência privativa de registros públicos, onde houver, ou ao Diretor do Foro, nas demais hipóteses (A respeito, vide: Ofício-Circular 87-2011 da CGJSC).
Isso porque, ainda que não haja previsão legal, há a possibilidade de se averbar o “desdobre” de lotes – instituto admitido pela doutrina e jurisprudência – sem a necessidade da observância do art. 18 da Lei n. 6766/79, desde que seja observado o plano diretor local e obtida aprovação municipal, quando o parcelamento do solo for considerado de pequena monta e não caracterizar um empreendimento comercial.
Outrossim, em Santa Catarina, o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça, até o ano de 2003, estabelecia critérios objetivos para o Registrador autorizar o desdobre, norma que ainda pode ser utilizada nos dias atuais como parâmetro, para a aferição da distinção ente registro especial x averbação de desdobre.
Conforme referida norma, de acordo com o livre convencimento do Registrador, este pode dispensar o requerente do rigor do art. 18 da Lei 6766/79 (registro especial), caso o parcelamento:
“I – não implique abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos, prolongamento, modificação ou ampliação de vias existentes ou, de modo geral, transferência de áreas para o domínio público;
II – não provenha de imóvel que, a partir da vigência da Lei federal n. 6.766/79, já tenha sido objeto de outro parcelamento; e
III – não importe em fragmentação superior a dez lotes” (art. 850).
Por fim, é preciso destacar que não há a necessidade de licença ambiental para parcelamentos de solo ‘com finalidade de desmembramento’ que não configure um empreendimento (comercialização de lotes), isto é, para os “desdobres”, com base na Resolução CONSEMA n. 098/2017, pois não está listada a referida atividade no seu anexo VI.
Dos Loteamentos
Havendo abertura de vias públicas de circulação, ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias públicas existentes, está-se diante de um Loteamento.
A partir da edição da Lei n. 13.465/2017, há no Brasil três espécies de Loteamentos:
- a) Loteamento tradicional: é aquele em que os lotes são imóveis autônomos (art. 2º, § 7º, Lei n. 766/79).
- b) Loteamento de acesso controlado (loteamento fechado): é o loteamento tradicional com a autorização municipal para que os representantes dos proprietários (geralmente uma associação) controlem o acesso de pessoas e de veículos mediante a sua identificação e o seu cadastramento, sendo proibido, porém, bloquear o trânsito de pessoas identificadas (art. 2º, § 8º, Lei n. 766/79), uma vez que as vias de circulação são bens públicos municipais, o que justifica o direito de qualquer pessoa devidamente identificada circular através delas. Loteamentos “fechados” nada mais são, portanto, que loteamentos que murados e que impõem controle de acessos a pedestres e a veículos, mediante identificação prévia. A possibilidade do acesso de pedestres e de veículos é o que distingue tal modalidade de loteamento, do “condomínio de lotes”, já que neste, as vias de circulação interna são bens privados e, portanto, podem ser fechadas permanentemente ao acesso público.
- c) Loteamento condominial (condomínio de lotes): é aquele em que os lotes constituem unidades autônomas condominiais, com áreas privativa de utilização exclusiva, comum e total do todo do terreno (art. 2º, § 7º, da Lei n. 766/79). Nesta modalidade, a unidade autônoma será o lote e não a edificação sobre esse. Admite-se a cada proprietário de unidade autônoma a livre utilização e edificação no lote, respeitadas as normas de ordem pública e as estipulações constantes na Convenção de Condomínio, aprovada por dois terços dos titulares das frações ideais. Nesta modalidade de loteamento, as vias de circulação interna são consideradas área comum do empreendimento. Portanto, sendo bens privados podem ser fechadas permanentemente ao acesso público.
Importante aqui destacar que antes da entrada em vigor da Lei n. 13.465/2017, os Condomínios de Lotes careciam de legislação específica federal. Mas, em que pese tal fato, muitos condomínios de lotes foram criados em diversos municípios brasileiros utilizando-se como fundamento a legislação de condomínios edilícios (artigo 8º da Lei nº 4.591/64 que rege o condomínio de casas) e o artigo 3º do Decreto-lei nº 271/67.
De acordo com a Lei nº 4.591/64, haveria a necessidade de edificação (casas) para que se pudesse instituir o condomínio.
Entretanto, como por força do artigo 3º do Decreto-lei nº 271/67, as obras de infraestrutura são equiparadas às da construção da edificação, muitos Registradores aceitavam mesmo antes da Lei Federal n. 13.465/2017 que alterou o Código Civil e a Lei 6766/79, o registro de condomínios de lotes, desde que existisse lei municipal específica (art. 30, VIII, da Constituição Federal/1988) autorizativa de tal empreendimento:
“Art. 3º – Aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infraestrutura à construção da edificação.
Das Vedações e Limitações administrativo-ambientais
A Lei do Parcelamento do Solo, assim prevê:
“Art. 3o Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
Parágrafo único – Não será permitido o parcelamento do solo:
I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;
Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;
III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;
IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.”
Diante do teor do dispositivo legal acima, conclui-se que não é permitido o parcelamento do solo em zona rural, sendo somente este admitido se destinar-se a finalidade urbana, em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
Da leitura do mesmo dispositivo, infere-se que, diante das hipóteses do parágrafo único acima listadas, cabe ao empreendedor apresentar ao Registro de Imóveis Licença Ambiental de Instalação (LAI) a qual deverá conter declaração de que o parcelamento não infringe quaisquer dos incisos do parágrafo único do art. 3º da Lei 6766/79.
A exigência da LAI, no âmbito do Estado de Santa Catarina está prevista no art. 33 da Lei Estadual n. 17.492/2018:
“Art. 33. No registro do parcelamento do solo urbano perante o Ofício de Registro de Imóveis ou da autoridade Registradora deve ser exigida a Licença Ambiental de Instalação (LAI)”.
O Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina também aponta a mesma exigência no seu art. 736, o qual dispõe acerca da necessidade da apresentação da Licença Ambiental (LAI) no processo de Parcelamento do Solo Urbano. O mesmo Código aponta que para o registro de Condomínio de Casas, há que ser apresentada Licença Ambiental (LAI), sob pena de denegação do registro requerido (art. 778 do CN).
Deve, ainda, o Loteador apresentar ao Registro de Imóveis Planta com levantamento planialtimétrico, englobando todo o empreendimento e seus lotes, a fim de comprovar que o terreno sob parcelamento não possui declividade igual ou superior a 30% (inciso III do art. 3º da Lei 6766/79), fato que, por si só, impede o registro.
E, havendo Área de Preservação Permanente (APP), deverá apresentar planta onde conste suas localizações e dimensões. E, no tocante aos lotes atingidos pela APP, é necessário informar o percentual dos mesmos em que a limitação ambiental incide (individualmente), a fim de que seja verificada pelo Registrador a possibilidade ou não do registro do parcelamento do solo, na forma do inciso V do art. 3º da Lei 6766/79, além da exigência de Licença Ambiental específica, nos termos do art. 5º da Resolução 237/97 do CONAMA.
Assim, o Registrador, atuando como braço do Estado, verificará se está ou não sendo preservada a faixa de APP, podendo agir em caso de desrespeito ou invasão da área protegida por Lei, denegando o registro pretendido e informando ao Ministério Público Estadual, para que atue e tome providências (art. 6º da Lei 7347/85).
Cabe também ao Loteador apresentar “Certidão” emitida pela respectiva prefeitura, mencionando o número da Lei Municipal que dispõe acerca do parcelamento de solo (art. 1º, parágrafo único, da Lei 6766/79), atestando se o parcelamento está de acordo com esta e com o Código Sanitário Estadual, além declaração de que possui a estrutura básica definida no art. 2º, §5º da Lei 6766/79, atendendo a Lei 11.445/07 – Política Nacional do Saneamento Básico.
Além disso, deve ser apresentada ao Registrador, cópia do ato de aprovação do loteamento (lei ou decreto municipal) e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da, aprovação de um cronograma, com a duração máxima de 4 anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras.
Isso porque, dispõe o art. 12, parágrafo único, da lei 6766/79 que “O projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante do cronograma de execução, sob pena de caducidade da aprovação”.
De acordo com o art. 30, § 5º, da Lei Estadual 17.492/2018: “O cronograma físico de obras e serviços deve conter, no mínimo: I – a indicação de todas as obras e serviços a serem executados pelo empreendedor; e II – o período e o prazo de execução de cada obra e serviço. § 6º Não é exigido cronograma físico de obras e serviços para parcelamento de pequeno porte, salvo disposição contrária prevista em lei municipal.”
Em face de tal fato, tenho tomado a precaução de averbar junto à matrícula-mãe do empreendimento, o prazo do cronograma de execução das obras, a fim de que, findo tal período, não tendo sido apresentado o termo de verificação de sua execução, possa comunicar as autoridades competentes (Município e Ministério Público), como exige o §2º do art. 732 do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, in verbis:
“Art. 732. Desde que o registro do loteamento ou desmembramento seja requerido apenas com o cronograma de execução das obras, o oficial também providenciará, conforme o caso, o registro ou a averbação da garantia real oferecida nas matrículas dos imóveis ou lotes correspondentes.
- 1º A circunstância também será, de forma resumida, averbada na matrícula em que registrado o loteamento ou desmembramento.
- 2º Decorridos os prazos estipulados no cronograma aprovado pela Municipalidade, sem que o loteador tenha apresentado termo de verificação de execução das obras, o oficial, ao praticar atos na matrícula, comunicará a omissão ao Município e ao Ministério Público” (grifei).
Outrossim, havendo caução em favor do município, a fim de garantir a execução das obras do loteamento, deve ser lavrada Escritura Pública para formalização da garantia real, na forma de Hipoteca (art. 1225, IX, do Código Civil) – em observância à regra do art. 108 do novo Código Civil – e o ato a ser praticado será de registro nas matrículas oneradas [art. 167, I, 2) da LRP] e de averbação (arts. 1º e 172 da LRP), para fins de publicidade, na matrícula-mãe do empreendimento.
Por fim, importante destacar, a necessidade de o Registrador verificar se houve a criação de áreas verdes e institucionais, bem como praças, arruamentos e demais equipamentos públicos, cujo percentual deverá atingir 35% (trinta e cinco por cento) da área total do empreendimento.
Com relação ao parcelamento do solo urbano, eram essas as considerações a fazer, no intuito de situar o leitor no contexto histórico, chegando-se à atualidade.
Agora, passarei a tratar mais especificamente dos Loteamentos ou Condomínios de Lotes Rurais, a fim de verificar se tais empreendimentos são de fato e de direito admitidos pela legislação pátria.
Do Parcelamento do Solo Rural
Verifica-se hodiernamente no Brasil, uma proliferação de loteamentos e condomínios rurais, onde uma gleba rural de terras é dividida em lotes, ou unidades condominiais, objetivando a comercialização, visando a atingir pessoas que buscam o lazer rural, com a edificação de pequenos sítios de recreio e casas de campo, que, na maioria dos casos, não preservam a função agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativa do solo.
Será que esta modalidade de parcelamento é permitida pela legislação? Vejamos.
Inicialmente, para que possamos tratar do Parcelamento do Solo Rural, comecemos pela leitura da Lei do Parcelamento do Solo, a Lei 6766/79, que é clara ao dispor:
“Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.”
Assim, podemos dizer que “(…) o parcelamento para fins urbanos em zona rural encontra óbice na lei 6.766/79, que limita o parcelamento para fins urbanos exclusivamente para zona urbana, de expansão urbana ou de urbanização específica (art.3º,caput). Sob a ótica penal, considera-se crime contra a Administração Pública (art. 50, I, c.c. art. 3º,caput, lei 6.766/79) executar parcelamento do solo, para fins urbanos, em zona rural, onde não se admite essa prática, ainda que seja para chácaras ou sítios de recreio, pois a atividade de lazer é tipicamente urbana.
Se os lotes prometidos à venda tiverem áreas inferiores ao módulo rural, não passíveis, portanto, de utilização rurícola – atividade extrativa, agrícola, pecuária ou agroindustrial –, evidencia-se um critério objetivo de que a destinação é urbana.” (in: Irib: http://www.irib.org.br/boletins/detalhes/1331, site visitado em 28/08/2020).
Agora, vejamos o conceito jurídico de Imóvel Rural que consta da Lei n. 4.504/1964 (Estatuto da Terra):
“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se: I – “Imóvel Rural”, o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada.”
A Resolução n. 82/15, do INCRA, esse respeito também estatui:
“Art. 6º Imóvel rural é a extensão contínua de terras com destinação (efetiva ou potencial) agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, localizada em zona rural ou em perímetro urbano.”
O Estatuto da Terra, outrossim, dispõe:
“Art. 65- O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo[1] de propriedade rural.
1º – Em caso de sucessão “causa mortis” e nas partilhas judiciais ou amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da dimensão do módulo de propriedade rural.
2º – Os herdeiros ou os legatários, que adquirirem por sucessão o domínio de imóveis rurais, não poderão dividi-los em outros de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural.
3º – No caso de um ou mais herdeiros ou legatários desejar explorar as terras assim havidas, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária poderá prover no sentido de o requerente ou requerentes obterem financiamentos que lhes facultem o numerário para indenizar os demais condôminos.
4º – O financiamento referido no parágrafo anterior só poderá ser concedido mediante prova de que o requerente não possui recursos para adquirir o respectivo lote”.
A Lei nº 5.868/72, alterada pela Lei nº 13.001/14, estabelece:
„Art. 8º – Para fins de transmissão, a qualquer título, […], nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento […]
- 3º – São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos.”
A Fração Mínima de Parcelamento (FMP) é a menor dimensão que um imóvel rural poderá ter em área contínua – salvo situações especialíssimas previstas em leias quais veremos a seguir – e é ela que garante a possibilidade do uso adequado do solo rural com a manutenção de seu status jurídico.
Já o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, disciplina que:
“Art. 847. Somente se admitirá formação de condomínios de imóveis rurais por ato inter vivos, quando preservada e assegurada sua destinação para fins de exploração agropecuária ou extrativa.”
Assim, da leitura da legislação supra, conclui-se que Parcelamentos do Solo Rural somente são permitidos se:
- Com a divisão da gleba, for preservada a identidade rural do imóvel, isto é, preservada sua função agrícola (agropecuária, agroindustrial ou extrativa);
- A área desmembrada ou loteada for considerada uma área contínua de terras que respeite à Fração Mínima de Parcelamento da região.
Quando esses requisitos não se configuram num determinado parcelamento do solo rural, está sendo efetuado, por vias transversas, a transformação do imóvel rural em urbano, o que implica na necessidade da prévia oitiva do INCRA e a observância da lei 6766/79, além de todas as questões urbanísticas municipais (regras locais) e ambientais necessárias à implantação de um Parcelamento do Solo Urbano.
Enfim, não sendo observados os requisitos acima, estaremos diante de Parcelamentos destinados à urbanização, à criação de sítios ou chácaras de recreio (de uso eminentemente urbano), e que por isso, não podem ser executados fora do perímetro urbano (como determina o art. 3º da Lei 6766/79), sendo, portanto, irregulares os Parcelamentos do Solo rural efetuados desta forma.
Corroborando essa afirmação, o artigo 96 do Decreto 59.428/66 (política de acesso à propriedade rural) dispõe que projetos de loteamentos rurais, com objetivo de urbanização, industrialização ou sítio de recreio, para serem aprovados, só podem ser feitos em áreas que já sejam consideradas urbanas (ou em planos de urbanização); se foi oficialmente declarada zona de turismo, estância hidromineral ou balneária; ou que comprovadamente tenha perdido suas características produtivas (agropastoris).
E para provar que a área é improdutiva, o artigo 53 da lei 6.766/79 (sobre parcelamento do solo) diz que toda alteração de uso do solo rural para fins urbanos depende antes de análise e aprovação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do órgão metropolitano.
Outrossim, a Nota Técnica INCRA/DF/DFC 02/2016, que visa justamente ao esclarecimento da matéria, dispõe:
“a) todo parcelamento para fins urbanos deve ocorrer nas áreas adequadamente delimitadas pelo zoneamento municipal (…) A denominação empregada pela legislação municipal para as referidas zonas é indiferente, desde que respeitado o respectivo regime jurídico;
(…)
- c) a IN 82/2015 emprega a terminologia “perímetro urbano” como gênero que engloba todas as zonas destinadas a fins urbanos, independentemente das denominações empregadas na legislação municipal (…)”
E, nas conclusões e recomendações do mencionado documento, lê-se:
“a) somente é admitido o parcelamento, para fins urbanos, de imóvel localizado em zona urbana, zona de expansão urbana, zona de urbanização específica ou zona especial de interesse social, definidas pela legislação municipal, no contexto de adequado ordenamento territorial e eficiente execução da política urbana;
- b) é vedado o parcelamento, para fins urbanos, de imóvel localizado fora das zonas referidas no item anterior, incluídos na vedação os empreendimentos destinados à formação de núcleos urbanos, sítios de recreio ou à industrialização, com base no item 3 da revogada Instrução 17-b/80; (grifei)
(…)
- d) a prévia audiência do INCRA para alteração de uso do solo rural para fins urbanos, a que se refere o art. 53 da Lei 6.766/79, deve ser interpretada como realização das operações cadastrais pertinentes, nos termos do Capítulo VI da Instrução Normativa n. 82/2015;”
Portanto, não sendo respeitada a Fração Mínima de Parcelamento – Módulo rural, de forma contínua na dimensão de cada lote e, por consequência, não sendo possível a preservação de sua função agrícola/pecuária/extrativa, o empreendimento torna-se, por vias transversas, urbano. Isto é, destinado à edificação de casas de moradia e recreio e não à atividade agrícola, agropecuária, agroindustrial ou extrativa, que caracteriza os imóveis rurais.
Descaracterizado o imóvel para urbano, devido à inobservância da legislação que regula o solo rural, o Registrador deverá exigir do empreendedor a regularização prévia da situação para somente após, efetuar o registro.
Não havendo autorização do Incra, nem lei municipal alterando para o perímetro urbano, o Registrador, na efetuação do juízo de qualificação registral, poderá rejeitar o registro do empreendimento contrário à legislação federal, quando verificar o desvirtuamento do uso do solo rural, descaracterizando-o de sua finalidade agrícola.
Nesse sentido, colhe-se de consulta respondida pelo “Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo do Paraná”:
“Noutras palavras, deve-se vedar qualquer espécie de uso e ocupação do solo rural que o descaracterize em sua natureza propriamente rural, entre elas o fracionamento abaixo do módulo mínimo, ainda que para alegados “condomínios” ou “sítios de lazer”. Outra interpretação não se coaduna com os ditames do aproveitamento racional e nem com a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis, princípios insculpidos no art. 186, I e II da Constituição de 1988, tampouco com a função social da propriedade urbana, revelada à luz do Plano Diretor, articulada no art. 182, §2o da Magna Carta” (in: Consulta n. 118/2016).
Este é o entendimento dos Tribunais de Justiça Estaduais:
“EMENTA: LOTEAMENTO – Irregularidade – Ação civil pública – Municipalidade – Obrigação de fazer, não fazer e indenização – Venda de pequenas glebas localizadas em área rural do município a fim de constituir chácaras e pequenos sítios destinados à exploração vegetal, hortifrutigranjeiro, plantação de mandioca, criação e engorda de porcos e outros atividades análogas – Metragem das áreas comercializadas inferiores ao limite mínimo estabelecido pelo Incra e em lei local – Imóveis destinados a sítios e chácaras de recreio – Submissão à Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6766/79) – Loteamento irregular caracterizado – Sentença mantida – Recurso improvido” (TJSP, Apelação Cível n 167 815-4/3- 00 – São José do Rio Preto – 2ª Câmara de Direito Privado – Relator: Des. Neves Amorim. Julgamento: 03.06 08).
No mesmo sentido:
Colhe-se da doutrina:
“Assim, o parcelamento de imóvel rural (localizado em zona rural) para fins urbanos só é possível se lei municipal redefinir o seu zoneamento, transformando a zona rural ou parte dela (onde se encontra o imóvel) em zona urbana ou de expansão urbana.(…) Como o parcelamento de imóvel rural para fins urbanos deve ser precedido de lei municipal que o inclua na zona urbana ou de expansão urbana do Município, a regularização fundiária se torna praticamente impossível e esses parcelamentos clandestinos são consolidados. Além das dificuldades inerentes à regularização de qualquer outro loteamento clandestino (art.4º, da Lei 6.766/79), no caso dos parcelamentos urbanos em zona rural ainda há necessidade de uma atuação verdadeiramente política do Poder Público Municipal, pois nessa hipótese a adequação registrária do imóvel depende não apenas da boa vontade do Poder Executivo, mas também da aprovação de lei pelo Poder Legislativo, o que muitas vezes não ocorre por motivos político-partidários e contrários ao interesse social.” [in: STIFELMAN, Anelise Grehs e GARCEZ, Rochelle Jelinek. Do Parcelamento do Solo com fins urbanos em zona rural e da aplicação da lei n. 6.766/79 e do provimento n. 28/04 da CGJ/RS (Projeto More Legal III), pp. 6-8].
Uma vez descaracterizado o imóvel rural, mediante edição de lei municipal específica e autorização do Incra, estando o Registrador diante de um Parcelamento destinado à urbanização ou expansão urbana, este observará aos ditames da Lei 6766/79, com intervenção do Ministério Público Estadual (art. 734 do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça de Santa Catarina, art.127, 129, III e IX, CF; Lei Complementar 197/2000, art. 82 inc. VI, ‘e’ e inc. X, Provimento nº25/1985-MP/SC c/c art. 19 da Lei do Parcelamento do Solo).
Dispõe o Código de Normas da CGJSC:
“Art. 734. Presentes os requisitos legais, o oficial, antes das publicações do edital, remeterá os autos do procedimento à apreciação do Ministério Público”.
Outrossim, havendo mudança da gleba de terras do perímetro rural para o urbano, é bom lembrar que tal fato não desobriga o empreendedor de especializar previamente a Reserva Florestal Legal, que deve estender-se sobre, no mínimo, 20% (vinte por cento) da área total da área, devendo ser demarcada e localizada na planta do Parcelamento.
Isso porque, a apresentação do CAR no Registro de Imóveis e sua averbação é ato obrigatório, também para imóveis que tenham passado ao perímetro urbano após a edição da Lei n. 7.803/89, como forma de proteger o meio ambiente e não privilegiar aqueles proprietários que deixaram de proceder à averbação da reserva legal em tempo oportuno.
Não sendo apresentado o CAR, nem especializada a Reserva Legal, o Registrador deverá oficiar ao Ministério Público da Comarca, comunicando o fato e averbar a ausência da especialização da Reserva Legal à margem da respectiva Matrícula, como exige o art. 691 do Código de Normas.
A respeito da matéria, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente decidiu que “a inserção do imóvel rural em perímetro urbano definido mediante lei municipal não desobriga o proprietário ou posseiro da manutenção da área de reserva legal, que só será extinta concomitantemente ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos aprovado segundo a legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor de que trata o parágrafo 1º do artigo 182 da Constituição Federal” (AREsp 1066063).
Assim, se a área pertencia ao meio rural na época em que fora descumprida a obrigação de implementar a reserva legal, são perfeitamente aplicáveis as disposições do Código Florestal, pois em matéria ambiental, a lei a ser aplicada é aquela vigente ao tempo do fato (tempus regit actum), “posição que assegura o cumprimento do princípio da vedação do retrocesso ambiental”.
Desta forma, restou assentado pelo STJ que diante da transformação do perímetro – de rural para urbano ou de expansão urbana –, “é prudente que se conserve a obrigação, por coerência com o sistema legal de proteção ambiental, até que sobrevenha regulamentação pela legislação urbana do município, com o registro do parcelamento do solo urbano e a observância do regime de proteção de áreas verdes urbanas, conforme previsão do artigo 25 do novo Código Florestal”.
Convém, também, destacar, que no Estado de Santa Catarina está em vigor a Lei 14.675/2009, que estabelece acerca da Reserva Legal (art. 122). De acordo com a lei estadual, se o imóvel rural não contiver Área de Reserva Legal, ou esta encontrar-se diminuída, deverão ser adotadas medidas visando a recomposição, regeneração ou compensação da área degradada. Ainda quanto à Reserva Legal, destaco que nos termos do Parecer (pesquisa nº 133/2015 de 19/11/2015, do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MP/SC), de autoria do coordenador do CME, Promotor de Justiça Paulo Antônio Locatelli, cabe ao MPSC investigar quando apresentado ao Registro de Imóveis recibo do CAR com área de Reserva Legal inferior a 20% (vinte por cento). Neste caso, ao receber a notícia do Registrador informando o fato, o Ministério Público irá investigar se realmente tal propriedade (com menos de 4 módulos fiscais), possuía ou não, em 22 de julho de 2008, vegetação nativa (art. 67, da Lei nº 12.651/12), como forma de assegurar a área rural consolidada e impedir novos desmatamentos.
Dos Condomínios Rurais de Lotes
Um Condomínio de Lotes – hoje permitido pela Legislação Federal, como visto acima – é formado por unidades condominiais, as quais possuem área privativa de utilização exclusiva, fração ideal do solo comum e área total (resultante da soma das duas primeiras), havendo, por tal razão, a descontinuidade da propriedade, uma vez que a fração ideal do solo comum não é determinada e individualizada e não pode ser utilizada individualmente por seu proprietário, sendo destacada da área privativa do lote, onde o condômino irá, de fato, usufruir de seu imóvel, construindo sua casa de campo ou sítio.
Como já foi anteriormente salientado, o Estatuto da Terra prevê, entretanto, que a continuidade do terreno é essencial à configuração do imóvel rural.
O que tem ocorrido, na prática, nos Condomínios Rurais existentes no Brasil, é a divisão da gleba em unidade (lotes), os quais possuem áreas privativas de utilização exclusiva inferiores à Fração Mínima de Parcelamento, criando-se, paralelamente – e destacada da área do lote – uma fração ideal do solo comum, que somada à área de utilização exclusiva, atingiria a área mínima prevista na região para o parcelamento (FMP).
Porém, parece bastante claro, que não havendo área privativa suficiente para possibilitar a exploração rural do lote por seu proprietário, a identidade do imóvel rural restará desconfigurada!
Portanto, como num Condomínio de Lotes, a “gleba” é de fato dividida em unidades privativas denominadas “lotes”, é a medida destas que deve respeitar a Fração Mínima de Parcelamento da região, a fim de ser preservada a função rural da terra, permitindo a exploração agrícola, pecuária, extrativa ou agroindustrial por seu proprietário e não a área total, porque esta inclui a área comum que não pode ser de fato utilizada para a produção rural.
Como isto não vem ocorrendo nos Condomínios de Lotes Rurais atualmente existentes no Brasil, há a necessidade de regularização destes empreendimentos, mediante a intervenção do Ministério Público Estadual, a fim de que seja, inicialmente, alterado o perímetro onde os imóveis se situam para urbano – com a oitiva do INCRA – e seguidos os ditames da Lei 6766/79, bem como as normas ambientais e urbanísticas incidentes.
Portanto, diante do exposto, cabe ao Registrador analisar com bastante critério os parcelamentos rurais a ele submetidos e, havendo pedido para o registro de Condomínios de Lotes em zona rural, exigir previamente a edição de Lei municipal (art. 30, VIII, da Constituição Federal/1988) alterando o perímetro da área onde se localiza o empreendimento para urbano, além de prévia audiência do INCRA para alteração de uso do solo rural para fins urbanos, prevista no art. 53 da Lei 6.766/79. Outrossim, também cabe ao Registrador seguir as normas da Lei municipal que discipline as regras locais relativas a Condomínios de Lotes, e se ela não existir no município, exigir sua edição prévia para que após possa admitir a tramitação do processo em sua Serventia.
Finalmente, cabe destacar, porque de relevância sócio-ambiental, a necessidade do lincenciamento ambiental dos Condomínios e Parcelamentos do Solo Rurais, ainda que mantida a sua finalidade rural.
Conforme, a Resolução CONSEMA n. 98, de 5 de maio de 2017, os Condomínios Rurais são atividades sujeitas ao Licenciamento Ambiental. Veja-se:
“ATIVIDADES SUJEITAS A LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Art. 8º Dependerão de prévio licenciamento ambiental a construção, a instalação, ampliação e o funcionamento de atividades ou empreendimentos, utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, listados no Anexo VI, com a indicação do respectivo estudo ambiental.”
ANEXO VI
LISTAGEM DAS ATIVIDADES SUJEITAS AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL E RESPECTIVOS ESTUDOS AMBIENTAIS
71.11.03 – Condomínio em áreas rurais localizados em municípios onde se observe pelo menos uma das seguintes condições:
- a) não possua Plano Diretor, de acordo com a Lei federal no 10.257, de 10 de julho de 2001, ou Lei de Ordenamento Territorial, que regulem a ocupação e uso do solo rural;
- b) não exista sistema de coleta de lixo na área objeto da atividade;
- c) não exista sistema de coleta e tratamento de esgoto na área objeto da atividade.
Pot. Poluidor/Degradador Ar: P Água: M Solo: M Geral: M
Porte Pequeno: 2 < AU(7) < 10 (EAS)
Porte Médio: 10 ≤ AU(7) ≤ 100 (EAS)
Porte Grande: AU(7) > 100 (EIA) (Redação dada pela Resolução CONSEMA no 112, de 2017)”
Outrossim, os empreendimentos ou atividades que se encontrem implantados ou em operação sem o devido licenciamento ambiental deverão requerê-lo junto ao órgão ambiental licenciador competente, a fim de verificar a possibilidade de regularizar sua situação, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, consoante prevê o art. 20 da Resolução CONSEMA 98/2017.
Ainda, havendo florestas – o que é o caso da grande maioria dos imóveis rurais, dado à obrigatoriedade da especialização da Reserva Florestal Legal – ou ainda, havendo APP (margens de rios, olhos d’agua, ou terrenos com declividade alta – morros, etc.), a Resolução n. 237/96 do CONAMA dispõe que o licenciamento ambiental é obrigatório:
“Art. 5º – Compete ao órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades:
(…)
II – localizados ou desenvolvidos nas florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente relacionadas no artigo 2o da Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965, e em todas as que assim forem consideradas por normas federais, estaduais ou municipais;
“Parágrafo único. O órgão ambiental estadual ou do Distrito Federal fará o licenciamento de que trata este artigo após considerar o exame técnico procedido pelos órgãos ambientais dos Municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento, bem como, quando couber, o parecer dos demais órgãos competentes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, envolvidos no procedimento de licenciamento.
“Art. 6º – Compete ao órgão ambiental municipal, ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades de impacto ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas pelo Estado por instrumento legal ou convênio.
“Art. 7º – Os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores.
“Art. 8º – O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:
I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;
III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
Parágrafo único – As licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade.”
As exceções à Fração Mínima do Parcelamento
Por fim, é preciso destacar, que as únicas hipóteses de exceção comportadas, atualmente, pelo ordenamento jurídico brasileiro para subdivisão de imóveis rurais abaixo módulo mínimo de exploração agrícola (ou da chamada “fração mínima de parcelamento”) são as expressamente previstas pelo art. 65, §5º, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964) e pelo art. 8º , §4º, da Lei 5.868/1972:
Dispõe a Lei 4.504/1964:
“Art. 65. O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.
- 1° Em caso de sucessão causa mortis e nas partilhas judiciais ou amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da dimensão do módulo de propriedade rural.
- 2º Os herdeiros ou os legatários, que adquirirem por sucessão o domínio de imóveis rurais, não poderão dividi-los em outros de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural.
- 3º No caso de um ou mais herdeiros ou legatários desejar explorar as terras assim havidas, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária poderá prover no sentido de o requerente ou requerentes obterem financiamentos que lhes facultem o numerário para indenizar os demais condôminos.
- 4° O financiamento referido no parágrafo anterior só poderá ser concedido mediante prova de que o requerente não possui recursos para adquirir o respectivo lote.
- 5o Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos de imóveis rurais em dimensão inferior à do módulo, fixada pelo órgão fundiário federal, quando promovidos pelo Poder Público, em programas oficiais de apoio à atividade agrícola familiar, cujos beneficiários sejam agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano. (Incluído pela Lei nº 11.446, de 2007).
- 6o Nenhum imóvel rural adquirido na forma do § 5o deste artigo poderá ser desmembrado ou dividido. (Incluído pela Lei nº 11.446, de 2007).“
E o Decreto n.. 62.504, de 1968 assim estatui:
“Art 1º. Os desmembramentos disciplinados pelo art. 65 Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1968, e pelo Art. 11 de Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, são aquêles que implicam na formação de novos imóveis rurais“.
No mesmo sentido, a Lei 5.868/1972:
„Art. 8º – Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área.
- 1º – A fração mínima de parcelamento será: a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados; b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C; c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.
- 2º – Em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura, o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e sócio-econômicas o aconselhem, a fração mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.
- 3o São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos. (Redação dada pela Lei nº 10.267, de 28.8.2001)
- 4o O disposto neste artigo não se aplica: (Redação dada pela Lei nº 13.001, de 2014)
I – aos casos em que a alienação da área destine-se comprovadamente a sua anexação ao prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima do parcelamento; (Incluído pela Lei nº 13.001, de 2014)
II – à emissão de concessão de direito real– Área de Habitação e Urbanismo social em áreas rurais, incluindo-se as situadas na Amazônia Legal; (Incluído pela Lei nº 13.001, de 2014)
III – aos imóveis rurais cujos proprietários sejam enquadrados como agricultor familiar nos termos da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006; ou (Incluído pela Lei nº 13.001, de 2014)
IV – ao imóvel rural que tenha sido incorporado à zona urbana do Município. (Incluído pela Lei nº 13.001, de 2014)
- 5º – O disposto neste artigo aplica-se também às transações celebradas até esta data e ainda não registradas em Cartório, desde que se enquadrem nas condições e requisitos ora estabelecidos.”
Tratam-se, destarte, de permissivos legais exclusivamente atinentes aos programas de apoio à agricultura familiar (reforma agrária), de regularização fundiária de interesse social e às situações de anexação de prédio rústico a outro imóvel lindeiro, desde que somada, ao final, metragem superior ao módulo rural mínimo.
Assim, o art. 8º, §4º, IV, da Lei 5.868/1972, corrobora o que a doutrina e a jurisprudencia já vinham assentando nos últimos anos. Isto é, o fato de que o parcelamento do solo rural com fins urbanos (moradia, sítios de recreio, ou lazer) depende da prévia inclusão da gleba respectiva no perímetro urbano e em zoneamento municipal compatível, porque este parcelamento passa a interferir na ordem urbanística, no meio ambiente e no patrimônio público, devendo, por tal motivo, ser submetido aos rigores da Lei 6766/79, com a intervenção do Ministário Público estadual nos autos.
Conclusão
No Brasil, os empreendimentos destinados ao parcelamento do solo devem ser efetuados em perímetro urbano, zonas de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor, respeitando os requisitos da Lei do Parcelamento do Solo, os ordenamentos municipais (plano diretor) e as normas ambientais específicas.
Por sua vez, são permitidos parcelamentos do solo rural para “criação” de novos imóveis rurais somente.
Não sendo preservada a função agrícola, pecuária, extrativa, agropecuária ou agroindustrial do imóvel e a Fração Mínima de Parcelamento (FMP) da região, em área contínua, está-se diante de um parcelamento com finalidade eminentemente urbana, que deverá, por isso, respeitar a legislação municipal e a Lei 6766/79.
Consequentemente, Loteamentos e Condomínios de Lotes destinados à criação de sítios de lazer e recreio, são vedados em zona rural. Para que seja possível o registro de Parcelamentos do Solo ou Condomínios com tais finalidades em glebas rurais, é necessário antes promover a alteração do perímetro da região para urbano, mediante edição de Lei Municipal específica e audiência do INCRA. Tomadas essas providências, o Parcelamento reger-se-á pela Lei 6766/79, devendo então ser seguidos todos os seus ditames, assim como os do plano diretor municipal, com a intervenção do Ministério Público estadual nos autos, a fim de averiguar sua regularidade, sobretudo o respeito à legislação ambiental e urbanística.
[1] Onde se lê “módulo de propriedade rural” leia-se “fração mínima de parcelamento”, denominação atual segundo a legislação posterior.
Franciny Beatriz Abreu
Registradora Pública
Comarca de Porto Belo-SC